Porque Isaías 17 não está se cumprindo na atual guerra civil síria
Muito tem sido comentado nos últimos tempos de guerra civil
na Síria, o possível cumprimento de Isaías capítulo 17 (veja o capítulo na
íntegra, no apêndice, caso queira). Muitos teólogos tem apoiado ou rejeitado
com paixão a ideia de que a profecia se cumpre nos dias de guerra civil de Bashar
al-Assad.
Dizer que só porque está havendo uma guerra agora significa que a profecia está se cumprindo é o mesmo que ignorar a história recheada de guerras de um povo tão antigo (por isso mesmo não podia ser diferente).
Por exemplo, a Síria fora conquistada pelos persas aquêmenidas, depois pelos gregos de Alexandre, o Grande. Através da conquista grega, após a morte de Alexandre instalou-se ali o reino helênico dos selêucidas, que rivalizavam com a dinastia ptolemaica do Egito e daí brotaram muitas batalhas. Mas Pompeu chegou com as tropas romanas e clamou a Síria para Roma, tomando-a dos selêucidas. Depois que o império romano havia sido dividido em dois e só o do oriente estava de pé, a Síria fora varrida pelo ímpeto das forças muçulmanas e tornou-se parte de um califado. Mais tarde travaram-se as guerras “santas” contra cristãos que criaram por ali estados cruzados, como o principado de Antioquia. A presença dos cruzados cristãos em oposição aos muçulmanos do império seljúcida rendeu muita tensão militar à região da qual a Síria faz parte. Pode-se imaginar o sofrimento que a guerra perdida contra o sanguinário turco-mongol Tamerlão causou aos sírios. Ainda faltavam os otomanos chegarem e dominar o lugar.
No século passado, a Síria teve suas batalhas contra a França, que tentava mantê-la sob forte jugo. Mesmo quando tornou-se novamente independente, a Síria teve seus desgostos com a derrota para Israel na Guerra dos Seis Dias
Bem, porque discorrer sobre a história antiga e moderna das escaramuças sírias? A cada invasão, a cada batalha travada, vidas de militares e civis eram ceifadas, e muito sofrimento vinha na esteira disso tudo. Então, porque os acontecimentos atuais da guerra civil síria deveriam estar cumprindo uma profecia de cerca de 2700 anos, se essa não é a primeira nem será talvez a última das provações sírias desde a profecia? Essa é só mais uma guerra entre outras, só é especial para nós agora porque nós estamos vivenciado-a, nada mais que isso.
Isaías 17 tem algum detalhe que se encaixa na atual Síria?
A profecia, copiada aqui no apêndice 1, nada tem de
específico que requeira um cumprimento nessa guerra atual e exija ignorar todos
os conflitos nos milhares de anos anteriores.
Além disso, os limites da moderna Síria não condizem com as fronteiras dos dias de Isaías, de forma que muito do que um dia foi a Síria, hoje está hoje dentro da Jordânia e outros países da região. De fato, pequenos reinos arameus daquela época estiveram sujeitos à Damasco em um período, e em outro eram independentes (ver apêndice 2, mapas). Realmente, o que hoje chamamos de Síria, o idioma hebraico chamava de "aram" (arameu - ver apêndice 3).
Para Roma, a Ásia Menor (hoje praticamente toda a Turquia),
fazia parte da administração sírio-romana. A Síria para eles era uma região muito maior do que a atual ou a do Velho Testamento.
A própria instituição governamental sequer é a mesma. A
Síria foi helenizada, romanizada, islamizada, e pouco pode-se dizer que tem a
ver com a nação dos dias de Isaías, senão o nome e uma posição geográfica. Por
exemplo, a cidade síria de Aroer mencionada na condenação pode ser a cidade que
ficava no vale do Rio Árnon, um ponto muito sulino para a Síria moderna. Aroer
hoje ficaria dentro de outro país, a Jordânia.
A Síria alvo da profecia de Isaías não existe mais, e não se encaixa na Síria de
hoje.
Quando Isaías 17 se cumpriu
Albert Barnes,
comentarista bíblico do século 19, afirmou que Israel, o reino hebreu do norte,
estava confederado com a Síria contra o reino hebreu de Judá, do sul. A
profecia deveria ter o objetivo de avisar Israel para não depositar confiança
em uma Damasco condenada, e não fazer a desleal aliança contra Judá. Barnes
menciona que há suposições de que o cumprimento se deu nos dias do rei Acaz,
quando Damasco foi derrotada pela Assíria de Tiglate-Pileser e sírios foram
levados ao exílio... um ataque que respingou inclusive no reino de Israel, onde
alguns deles também foram levados.
(veja o comentário
completo de Barnes no apêndice 4)
Muitos comentaristas bíblicos apoiam esse entendimento. Adam
Clarke, em seu “Adam Clarke's Commentary
on the Bible, (1715-1832)” concorda com esse ponto de vista, bem como o Dr. John Gill em sua "John Gill's Exposition of the Entire Bible (1690-1771)"
É razoável entender
que Isaías estava profetizando sobre a Síria acerca de eventos daquela época, e que
a Síria receberia punição por seus erros enquanto ainda era praticamente a
mesma Síria, não quando sua formatação, cultura, fronteira e quase tudo mais tivessem mudado, milênios depois.
Também é razoável pensar que o julgamento adverso contra a Síria estaria relacionado a alguma aliança com Israel, o reino hebreu do norte, já que Isaías se dirige às duas nações na mesma profecia. Por isso, o entendimento de que o cumprimento se deu quando o rei Acaz de Israel se confederou com Damasco, ainda nos dias do Velho Testamento, está bem colocado!
Também é razoável pensar que o julgamento adverso contra a Síria estaria relacionado a alguma aliança com Israel, o reino hebreu do norte, já que Isaías se dirige às duas nações na mesma profecia. Por isso, o entendimento de que o cumprimento se deu quando o rei Acaz de Israel se confederou com Damasco, ainda nos dias do Velho Testamento, está bem colocado!
Apêndice:
Apêndice 1
O Capítulo 17 do livro bíblico de Isaías, segundo JOÃO FERREIRA DE
ALMEIDA, Edição Corrigida e Revisada, Fiel ao Texto Original. Sociedade Bíblica
Trinitariana (copiada via E-Sword):
Isa 17:1 Peso de Damasco. Eis que Damasco será tirada,
e já não será cidade, antes será um montão de ruínas.
Isa 17:2 As cidades de Aroer serão abandonadas; hão de
ser para os rebanhos que se deitarão sem que alguém os espante.
Isa 17:3 E a fortaleza de Efraim cessará, como também
o reino de Damasco e o restante da Síria; serão como a glória dos filhos de
Israel, diz o SENHOR dos Exércitos.
Isa 17:4 E naquele dia será diminuída a glória de
Jacó, e a gordura da sua carne ficará emagrecida.
Isa 17:5 Porque será como o segador que colhe a cana
do trigo e com o seu braço sega as espigas; e será também como o que colhe
espigas no vale de Refaim.
Isa 17:6 Porém ainda ficarão nele alguns rabiscos,
como no sacudir da oliveira: duas ou três azeitonas na mais alta ponta dos
ramos, e quatro ou cinco nos seus ramos mais frutíferos, diz o SENHOR Deus de
Israel.
Isa 17:7 Naquele dia atentará o homem para o seu
Criador, e os seus olhos olharão para o Santo de Israel.
Isa 17:8 E não atentará para os altares, obra das suas
mãos, nem olhará para o que fizeram seus dedos, nem para os bosques, nem para
as imagens.
Isa 17:9 Naquele dia as suas cidades fortificadas
serão como lugares abandonados, no bosque ou sobre o cume das montanhas, os
quais foram abandonados ante os filhos de Israel; e haverá assolação.
Isa 17:10 Porque te esqueceste do Deus da tua salvação,
e não te lembraste da rocha da tua fortaleza, portanto farás plantações
formosas, e assentarás nelas sarmentos estranhos.
Isa 17:11 E no dia em que as plantares as farás
crescer, e pela manhã farás que a tua semente brote; mas a colheita voará no
dia da angústia e das dores insofríveis.
Isa 17:12 Ai do bramido dos grandes povos que bramam
como bramam os mares, e do rugido das nações que rugem como rugem as impetuosas
águas.
Isa 17:13 Rugirão as nações, como rugem as muitas
águas, mas Deus as repreenderá e elas fugirão para longe; e serão afugentadas
como a pragana dos montes diante do vento, e como o que rola levado pelo tufão.
Isa 17:14 Ao anoitecer eis que há pavor, mas antes que
amanheça já não existe; esta é a parte daqueles que nos despojam, e a sorte
daqueles que nos saqueiam.
Apêndice 2
Mapas da antiga Síria dos dias dos reinos de Judá e Israel versus Síria moderna
Verde no mapa da esquerda: De origem aramaica, o que hoje chamamos de sírios são os arameus dos tempos bíblicos (ver apêndice 3). Note que Damasco fica no norte dessa nação.
A Síria moderna no mapa da direita, no entanto, tem fronteira diferente (perceba que é um país mais ao
norte do que o mostrado no primeiro mapa, já que Damasco fica no Sul nesse mapa):
Apêndice 3
Quando hoje lemos "Síria" na Bíblia, estamos lendo
a tradução da palavra hebraica ארם (ărâm),
H578 na numeração do dicionário hebraico de Strong. A palavra origina-se em
Arã, um dos filhos de Sem. Os descendentes de Arã são os arameus, e muitos
reinos existiram. Eles costumam ser agrupados hoje sob o nome de sírios, mas
formavam diferente estados soberanos em diferentes épocas. O nome Síria é
posterior e deriva de Aššūrāyu (Assíria). Por isso,
no mapa do apêndice 2 podemos ver tribos aramaicas e principalmente o reino
arameu centrado em Damasco. Esse reino é chamado de Síria nas bíblias modernas,
mas apesar de a Síria moderna e o reino dos dias proféticos compartilharem a
capital de Damasco, os territórios geográficos tem muito pouco em comum.
Apêndice 4
Albert Barnes' Notes on the Bible (1798-1870), comentando o capítulo 17
de Isaías:
Isaiah 17
“The prophecy which comprises Isa_17:1-11, professes, by its
title, to be against Damascus only. But it relates to the kingdom of Samaria no
less than to Damascus. The reason is, that the kingdoms of Israel and Damascus
were confederated against the kingdom of Judah. The design of the prophecy may
have been to warn the kingdom of Israel of the approaching destruction of the
city of Damascus, and, by this means, to keep them from forming an alliance
with them against Judah. When it was delivered is unknown. Lowth supposes that
it was immediately after the prophecies in the seventh and eighth chapters, in
the reign of Ahaz, and this supposition is not improbable, though it is not
quite certain. He also supposes that it was fulfilled when Damascus was taken
captive by Tiglath-pileser, and its inhabitants carried to Kir 2Ki_16:9, and
when he overran, also, a great part of the kingdom of Israel, and carried its inhabitants
captive to Assyria.
In regard to the “time” when it was uttered, there can be
little doubt that it was when the alliance existed between Damascus and the
kingdom of Ephraim, or Samaria, for on no oilier supposition can it be
accounted for, that the two kingdoms were united in the prophecy (see
Isa_17:3). The scope or design of the prophecy is indicated in the close
Isa_17:14 : ‘This is the portion of them that spoil us, and the lot of them
that rob us;’ and one design, at least, was to give an assurance to the kingdom
of Judah, that the alliance between Damascus and Samaria was not to be dreaded,
but that the kingdom of Judah would be safe. No alliance formed against them
would be successful; no purpose to destroy them should be an abject of dread.”
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